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Estradas elétricas: uma solução de nicho para áreas confinadas?

| 11 minutos
A ideia de conduzir em estrada aberta e nunca ter de reabastecer o seu camião é certamente agradável. E é precisamente isso que as estradas elétricas afirmam ser capazes de proporcionar. Ao carregar os veículos à medida que percorrem a autoestrada, os proponentes das autoestradas elétricas afirmam que a tecnologia pode tornar a carga mais rápida e disponibilizar maiores quilometragens. Mas corresponderão as estradas elétricas às expetativas? Ou serão apenas uma solução de nicho para áreas confinadas?

O que é uma estrada elétrica?

Uma estrada elétrica, eroad, eHighway ou sistema de estradas elétricas (ERS, do inglês "electric road system") é um sistema que permite a transferência de energia entre um veículo e a estrada em que este circula. As estradas elétricas estão classificadas em três categorias, com base na forma como a carga é realizada:

  • Condutividade superior: Neste tipo de carga, a energia é transferida continuamente das linhas superiores para o veículo através de um pantógrafo. A carga por condutividade superior é mais adequada para camiões e autocarros, os quais dispõem de uma altura suficiente para alcançar os cabos elétricos. Este tipo de carga também funciona melhor com veículos que circulem num itinerário predefinido, de modo a poderem permanecer continuamente ligados aos cabos de energia.
  • Transferência de energia condutora a partir da estrada: Esta opção é semelhante à tecnologia de condutividade superior, com a exceção de que, em vez de um pantógrafo, a energia é transferida para o veículo através de carris embutidos na estrada ou na superfície da mesma. A tecnologia inclui um braço mecânico de bordo que é ligado à fonte de energia.
  • Transferência de energia por indução a partir da estrada: Neste caso, a transferência de energia ocorre entre as bobinas integradas na estrada e as bobinas do veículo, sem necessidade de cabos. A energia da rede é convertida em energia AC de alta frequência de modo a criar um campo magnético que, em seguida, é captado pelas bobinas sob o veículo para a produção de tensão.

Quando um automóvel ou camião circular numa estrada equipada com qualquer uma destas tecnologias, a energia seguirá diretamente para o sistema de propulsão ou será utilizada para carregar as baterias de bordo. No entanto, assim que o veículo estiver numa estrada normal, passará para um motor elétrico ou híbrido, ou para um motor de combustão.

A utilização de estradas elétricas é bastante limitado nos dias que correm, embora existam alguns projetos-piloto em colaboração com fabricantes de automóveis, institutos de investigação, governos e empresas energéticas. Um desses projetos está a ser executado em Lund, na Suécia, enquanto, em Itália, o governo planeia instalar uma autoestrada elétrica de 6 quilómetros no norte do país. Na Califórnia, está em curso um projeto de demonstração perto dos portos de Los Angeles e Long Beach.
 

Estradas elétricas: Pesar os prós e os contras

As estradas elétricas são benéficas na medida em que proporcionam uma alternativa mais limpa ao motor de combustão – sobretudo se a energia utilizada for proveniente de uma fonte renovável como a energia eólica ou solar. No caso da carga por condutividade, as estradas elétricas também são bastante eficientes. A empresa Elways AB, por exemplo, reportou uma eficiência de 85-95% para uma solução de condutividade segmentada para automóveis e camiões que está agora a ser testada como parte do projeto eRoadArlanda.

No entanto, é aqui que todas as vantagens dos sistemas de estradas elétricas praticamente terminam. Embora quase todas as alternativas ao gasóleo estejam longe de ser comuns, muitas chegaram muito mais longe do que os ERS. Hoje em dia, não existem muitos dados de utilização em condições reais para suportar a respetiva fiabilidade e, com a exceção do pantógrafo (uma tecnologia com 100 anos), todos os restantes tipos de caga são tecnologias novas e que ainda não amadureceram.

As autoestradas elétricas também são dispendiosas; a instalação da infraestrutura de carga significa um investimento significativo na construção de estradas, na instalação de cabos elétricos e também na respetiva manutenção. Também poderão implicar longas interrupções no fluxo de tráfego existente à medida que a infraestrutura é atualizada. Um estudo estima que a instalação de um sistema indutivo dinâmico demoraria 3 semanas por cada 100 metros, enquanto um sistema de condutividade superior poderia demorar 1 mês para a instalação de 10 quilómetros. As perturbações poderiam ser minimizadas se a construção dos ERS coincidisse com os trabalhos de manutenção planeados, mas isso limitaria significativamente a rapidez com que a tecnologia poderia ser implantada.

A complexidade dos ERS também significa que muitos atores, incluindo governos, municípios, fornecedores de energia e empresas de transporte, teriam de trabalhar em conjunto. Seria igualmente necessária uma cooperação transfronteiriça em locais como a UE, onde os camiões que atravessam a região precisariam de ser adaptados com a mesma tecnologia para poderem utilizar as estradas. As normas de carga que permitem que qualquer tipo de veículo possa utilizar as estradas elétricas estão em desenvolvimento.
 

OS VE poderão ser a salvação?

Um dos principais argumentos a favor das estradas elétricas é o papel que poderiam desempenhar na redução da ansiedade ao nível da autonomia que acompanha a condução de um camião elétrico. Segundo o raciocínio por trás deste argumento, os VE poderão percorrer distâncias maiores e utilizar baterias de menores dimensões se forem utilizadas estradas elétricas para transferir energia diretamente à propulsão do veículo ou para carregar a bateria de bordo. Esta opção parece uma solução prática, mas rapidamente soçobra sob um escrutínio mais atento.

O primeiro desafio é a interoperabilidade, o que significa que um sistema de estradas elétricas teria de ser capaz de fornecer energia a qualquer tipo de veículo. Atualmente, não existem normas nem arquiteturas de sistemas para a transferência de energia entre a rede e os ERS e os diversos veículos. O segundo desafio reside nas melhorias ao nível da autonomia das baterias dos camiões elétricos, as quais poderão rapidamente tornar redundante a carga através dos ERS. Considere o facto de que, hoje em dia, um camião elétrico totalmente carregado pode percorrer 300 quilómetros, o que cobre aproximadamente 40% de todas as operações de transporte na UE. Prevê-se que esta autonomia melhore num futuro próximo através de melhorias nas baterias de iões de lítio, descoberta de novos materiais de células, melhores sistemas de gestão da bateria e tecnologias de refrigeração. Existem também grandes esperanças com a chegada das baterias de estado sólido, as quais poderiam aumentar a autonomia até 1600 quilómetros com uma única carga.  

O terceiro desafio são os sistemas de carga estática ou de ligação à corrente, que constituem o único sistema com normas globais estabelecidos e tecnologia comprovada. O número de postos de carga de ligação à corrente está a aumentar rapidamente; em 2019, havia mais de 170.000 postos de carga na Europa e mais de 68.000 nos Estados Unidos. Embora a maior parte desta infraestrutura se destine a automóveis, é importante ter em atenção que a tecnologia nos distribuidores de energia é o Sistema de carga combinado (CSS, Combined Charging System), o qual pode ser utilizado tanto para automóveis como para camiões. Um consórcio de fabricantes de camiões está já a trabalhar em conjunto para aumentar a capacidade de carga CSS para um a três megawatts, de modo a que a infraestrutura existente possa suportar os veículos comerciais. Os governos de todo o mundo também estão a estabelecer planos para expandir as redes e normalizar a tecnologia de carga CSS. Não existem diretivas tão claras dos governos no que diz respeito aos ERS.

Por último, mas não menos importante, a utilização de estradas para carregar VE parece bastante improvável, dado o crescimento de alternativas como células de combustível de hidrogénio. Tem havido muito entusiasmo em torno do hidrogénio, particularmente na área do transporte exigente e de longo curso, onde pode ser utilizado como extensão da autonomia para camiões elétricos. O hidrogénio tem diversas vantagens, como, por exemplo, um processo de reabastecimento curto e fácil e uma alta densidade de energia. Com apenas 80 kg de hidrogénio, um camião pode percorrer até 800 quilómetros! Isso seria suficiente para a maioria dos transportes de longo curso e, com uma infraestrutura de reabastecimento de hidrogénio suficiente no terreno, não haveria necessidade de carregar o camião em andamento.
 

Alguns potenciais casos de utilização

Significa tudo isto que não há lugar para as estradas elétricas no futuro dos transportes? Não necessariamente. Os ERS poderão representar uma alternativa atrativa em rotas específicas ou sistemas fechados em áreas confinadas, onde as estradas eletrificadas e a utilização de camiões constituiriam uma boa alternativa. Podem também ser uma solução adequada para camiões autónomos que efetuem operações de transporte entre centros de distribuição.
 

Analisar em maior profundidade os combustíveis alternativos

Dados todos os desafios dos ERS, sou da opinião que o setor deveria estar à procura de opções mais viáveis como, por exemplo, a eletromobilidade, o hidrogénio, o Bio-GNL e alguns biocombustíveis, como, por exemplo, o HVO, para descarbonizar o transporte. No sentido de ajudar os operadores de transportes a ter uma melhor compreensão dos combustíveis alternativos, elaborei um guia que analisa os prós e os contras de cada fonte de combustível. O guia inclui igualmente uma lista de controlo com todos os aspetos que os proprietários de empresas de transportes devem considerar antes de investir num camião com uma linha motriz alternativa.

Lars Mårtensson

Lars Mårtensson works as Environment and Innovation Director at Volvo Trucks.

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